As políticas sociais tendem a ocupar um lugar nevrálgico no debate eleitoral... O bolsa-família e outros programas ligados à questão da pobreza serão continuamente lembrados. Mas, quanto eu saiba, um nome crucial nessa área ainda não foi mencionado.
Refiro-me evidentemente a Ruth Cardoso; à Dra. Ruth, como ela gostava de ser chamada em eventos públicos, sempre sublinhando que detestava a expressão “Primeira Dama”. Elegante, discreta, Ruth orgulhava-se de sua profissão – de sua atividade como docente e pesquisadora no campo da antropologia, com formação acadêmica de nível internacional.
O que o Brasil deve a Ruth ainda não está devidamente registrado. Antes dela, as “primeiras-damas” (Ruth, desculpe) apenas tangenciavam as políticas de governo na esfera social. Raramente ou nunca iam além do assistencialismo com cara de piedade que servia de adorno às esposas dos presidentes.
Ruth repensou, reorganizou e ampliou as políticas sociais. Criou, para isso, o programa “Comunidade Solidária”. Cercou-se de assessores sérios, também eles com sólida formação técnica.
Faço o registro não apenas pela admiração que sempre tive por Ruth Cardoso, mas também na expectativa de que o debate dos próximos dois meses não se restrinja ao enfoque caolho que se tem tentado impingir aos eleitores. O que se tem proposto é uma comparação simplória do governo atual com o de Fernando Henrique. Quem fez mais? Quem tem mais para mostrar? Perguntas rasas, como todo mundo sabe, suscitam respostas rasas . Aceita a discussão nestes termos, bastaria arrolar indicadores estatísticos e colocá-los lado a lado. Indicadores descarnados, desossados de toda perspectiva temporal, de toda idéia de sequência, das restrições que pesaram em determinado momento e deixaram de pesar graças aos próprios avanços realizados.
A discussão que estou sugerindo não se refere aos valores de fato atingidos por tais ou quais indicadores. Esta discussão pode também ser útil, desde que formulada de maneira adequada. Tampouco estou querendo focalizar os efeitos eleitorais, intencionais ou não, da expansão efetivada em certas áreas – notoriamente na do Bolsa-Família.
Meu ponto é que a avaliação de políticas de governo, em qualquer área, não pode prescindir da perspectiva histórica. Quando foram iniciadas? De que modo a área em questão era pensada antes, como veio a ser pensada na etapa seguinte? De que forma se deu a interação de profissionais de diferentes áreas do conhecimento, de diversos setores do governo e entre os setores público e privado? Quem liderou tal processo, facilitando sua convergência para um novo padrão, em termos tanto conceituais como de novas práticas políticas ou administrativas?
Na reorganização iniciada nos anos 90, o papel de Ruth Cardoso foi, como já se notou, fundamental. Coube a ela criar um novo padrão de política pública na área social e, por via de consequência, uma nova definição para o papel de “primeira dama”.
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