O Estadão desta quarta publica um excelente editorial sobre
a tentativa da presidente Dilma Rousseff de faturar com a realização da
Copa do Mundo e até com a contusão de Neymar. Chama-se “Dilmar tropeça na bola”. Quem acompanha o que escrevo aqui sabe que não tenho como discordar do que vai lá. Reproduzo um trecho em azul:
“Depois da partida de sexta-feira, em que o Brasil venceu a Colômbia e
perdeu Neymar, a equipe da presidente Dilma Rousseff programou para daí a
três dias um bate-papo entre ela e internautas sobre um único e óbvio
assunto: a Copa. Tanto se tratava de uma jogada eleitoral que a primeira
ideia foi usar a página que o PT administra na rede social em nome da
candidata. Aí, abandonando-se ao cinismo, resolveram dar um tom
“institucional” à marquetagem, transferindo a conversa para a página
oficial da Presidência da República. (…)Esperta, Sua Excelência. Em dado
momento do chat, para desdenhar das críticas, ela equiparou as
previsões pessimistas em relação à Copa às que cercam, com mais razão
ainda, o desempenho da economia este ano. A taxa do PIB em 12 meses mal
supera 1%. Ninguém com a cabeça minimamente no lugar aposta numa
metamorfose que redima os desastres da política econômica. Mas – e aí
reside a esperteza dilmista – o resultado final do ano só será conhecido
em começos de 2015. A essa altura, a presidente ou terá sido reeleita
ou terá deixado o Planalto. Em qualquer hipótese, não haverá quem perca o
seu tempo lhe cobrando o despropósito de agora.”
Admiravelmente
bem escrito, como costumam ser os textos que se publicam na página 3 do
jornal, ainda um reduto de cuidado com a Inculta & Bela.
Eis, no entanto, que, mais adiante, na página A6, topo com uma reportagem intitulada “Goleada em campo não vai influenciar eleição, diz Planalto”.
Lá está Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência, tentando
pautar o debate e coisa e tal. Tratarei de sua tese — que poderia ser
resumida assim: “o povo tem memória curta” — em outro post. Neste, quero
chamar a atenção para um trecho (em vermelho) do texto, que vem com sete assinaturas:
“Embora o caos previsto pela oposição na organização da Copa não tenha ocorrido, o Planalto teme que o trauma da população com o fracasso do Brasil afete a autoestima dos brasileiros e provoque, sim, impacto eleitoral”.
“Embora o caos previsto pela oposição na organização da Copa não tenha ocorrido, o Planalto teme que o trauma da população com o fracasso do Brasil afete a autoestima dos brasileiros e provoque, sim, impacto eleitoral”.
Pois é…
O que vai
acima em vermelho nunca aconteceu. A “oposição” — não sei quais são as
pessoas designadas por essa palavra — jamais previu o insucesso da Copa
do Brasil, muito menos “o caos”, que já é uma palavra carregada de carga
política. Ou, então, os sete que assinam a reportagem, em companhia de
quem a editou, exibam reportagens do próprio Estadão (só para começo de
conversa) em que “a oposição” anuncie o… caos!
Isso é o
que diz o PT sobre seus adversários. Fazer tal afirmação, como se dado
da realidade fosse, assim como quem assegura que “hoje é quarta-feira”,
corresponde a fazer campanha político-eleitoral. E NÃO ESTOU A
DIZER QUE HAJA DOLO NISSO, NÃO! NÃO ESTOU A DIZER QUE OS JORNALISTAS
FAZEM TAL AFIRMAÇÃO PORQUE ESTEJAM, DE MODO DELIBERADO, JOGANDO ÁGUA NO
MOINHO DO PT. O EFEITO MAIS DELETÉRIO DA PATRULHA PETISTA É JUSTAMENTE
ESTE: ESPALHAR A VERSÃO COMO SE FOSSE FATO, DE MODO QUE AQUELES QUE A
REPETEM NEM SE DÃO CONTA DO QUE ESTÃO A FAZER.
A imprensa, sim; oposição, não!
Reportagens publicadas pela imprensa, estas sim, anteviram mais problemas do que de fato se estão verificando. E não havia dolo também nesse caso. Um de seus papéis é alertar para as dificuldades. É bem possível que muita coisa se tenha corrigido em razão de sua vigilância; é bem possível que muitos problemas tenham sido evitados em razão de suas advertências.
Reportagens publicadas pela imprensa, estas sim, anteviram mais problemas do que de fato se estão verificando. E não havia dolo também nesse caso. Um de seus papéis é alertar para as dificuldades. É bem possível que muita coisa se tenha corrigido em razão de sua vigilância; é bem possível que muitos problemas tenham sido evitados em razão de suas advertências.
Quem é “a
oposição”? Aécio? Serra? Alckmin? Aloysio? Campos? Marina? Preencham aí
os nomes à vontade. Onde está a previsão de caos? Ora, ninguém é idiota a
tal ponto. De resto, as críticas mais ácidas à realização da Copa do
Mundo no Brasil surgiram de movimentos de rua, inicialmente em grupos de
extrema esquerda, chegaram a ganhar o cidadão comum, que logo foi
empurrado de volta para dentro de casa, constrangido por black blocs,
com os quais Gilberto Carvalho dialoga. Ao governo federal, a violência
dos mascarados sempre foi útil porque servia para espantar as pessoas de
bem. Não estou afirmando, de forma oblíqua, que o Planalto esteja por
trás dos black blocs. Estou afirmando de maneira clara, escancarada e
inequívoca que o Planto dialogou com eles. E quem dialoga reconhece a
legitimidade do outro. Fim de papo.
Mas já me
desviei. Acho, como leitor apenas, inaceitável que a pauta de um partido
— “a oposição previu o caos na Copa” — seja transmitida a leitores e
internautas como se fosse informação séria, como se fosse fato. Não é.
O que
oposicionistas fizeram, cumprindo a sua função, foi chamar a atenção dos
brasileiros para as promessas que não foram cumpridas (obras de
mobilidade), para as acusações de superfaturamento das obras, para o
descumprimento de prazos — tudo, em suma, o que cabe, havendo motivos, a
adversários do governo fazer numa democracia. Assim como a imprensa,
também a oposição tem seu papel institucional.
Mas “caos”
não! Reproduzir essa afirmação como se fosse informação corresponde a
fazer campanha eleitoral petista. Se, antes, isso não era sabido, agora
é.
PS
— Ah, sim: quem escreve este texto é alguém que considera que a derrota
do PT é fundamental para a sobrevivência da democracia no Brasil; que
acha o governo incompetente; que sustenta que o PT é um partido
autoritário; que nunca achou ou afirmou que a Copa seria um caos e que
defende que lugar de black blocs é a cadeia, enquadrados na Lei de
Segurança Nacional. Quem passa a mão na cabeça deles é Gilberto
Carvalho, não eu. Mesmo assim, fui parar na “black list” do PT. Já os
black blocs foram convidados para um cafezinho…
Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo
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