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sexta-feira, 11 de julho de 2014

De acusador a réu.

De Ruy Fabiano
Em entrevista ao SBT, anteontem, Lula, com ares de Conselheiro Acácio, disse, entre outras coisas, que “o PT vai ter que enfrentar o debate da corrupção”. Ontem, em Salvador, no lançamento da candidatura de Rui Costa ao governo da Bahia, voltou a falar em reforma “para moralizar a política”.

O que se percebe é que o PT ainda crê na possibilidade de retomar a bandeira da moralidade, que o levou ao Planalto, e assumir novamente o comando dessa discussão. Não percebeu que, em quase doze anos no poder, passou de acusador a réu.

Seu alto comando está (ainda) na Papuda. O debate se processará (já está, aliás, se processando) queira ou não o partido. A rigor, não queria, mas tornou-se inevitável. As manifestações que precederam a Copa do Mundo tinham menos a ver com o evento que com o ambiente em que as obras se desenvolveram.

Obras sem licitação, superfaturadas e inacabadas, constituem um velho padrão brasileiro, mas, na Era PT, mostraram-se sistêmicas; ganharam o cunho do oficialismo.

O Mensalão, que Lula diz jamais ter existido – o que colocaria o Supremo Tribunal Federal, que condenou os infratores, no banco dos réus -, não tem precedentes.

Não foi um roubo isolado, mas a tentativa de embolsar um Poder da República – e que só fracassou graças à inconfidência de um dos cúmplices, o ex-deputado Roberto Jefferson, do PTB, que se sentiu enganado. Chegou-se a tal extremo que não há exagero em afirmar que, para descobrir novas falcatruas, basta escolher aleatoriamente uma repartição qualquer do Estado.

O empenho do governo em impedir investigações na Petrobras equivale a uma confissão de culpa. O partido, que fazia das CPIs o seu principal palanque, hoje as evita a todo custo. Ao longo do exercício do poder, viu, um a um, os seus principais quadros intelectuais o abandonarem, em meio a desabafos de decepção. Restaram-lhe figuras que mais se amoldam a uma delegacia policial que a uma tribuna parlamentar.

Não será fácil a Lula enfrentar esse debate, já que ele próprio está no centro de algumas acusações. Tanto o Mensalão como a absurda compra da refinaria de Pasadena ocorreram sob seu governo. E há ainda casos constrangedores, como o de Rosemary Noronha, a namorada que chefiava a Presidência em São Paulo, e que, nessa condição – de chefe e namorada -, nomeava figurões da República e fazia bons negócios.

Lula até hoje não emitiu uma palavra sequer sobre o assunto, o que torna seu silêncio mais eloquente que as palavras.

Difícil imaginar um debate sobre corrupção que passe por cima desses temas. A estratégia até aqui exibida é a de tentar implicar o concorrente em acusações similares, na base do “eles também roubaram”. Não há como cobrar, mais de uma década depois, atos que cabem a quem estar no poder punir.

Lula ensaiou um discurso pacifista e autocrítico na entrevista do SBT, ao reconhecer que os insultos do Itaquerão não decorreram apenas da tal elite branca de São Paulo. São bem mais amplos e foram reproduzidos em outros ambientes. Gilberto Carvalho já havia dito isso em entrevista a blogueiros chapa-branca.

O partido sabe que perdeu o encanto junto à classe média e ao empresariado, sustentáculos consideráveis em sua ascensão e permanência no poder. Resta-lhe a clientela do bolsa-família, nada desprezível do ponto de vista estatístico, mas insuficiente para garantir um segundo mandato de Dilma.

Também nesse segmento, a inflação dos alimentos preocupa, semeia insatisfações e impõe perdas. E os demais candidatos também irão se comprometer com a continuidade daquele benefício, que, aliás, foi herdado da administração tucana.

O discurso do ódio, na base do nós x eles, não parece eficaz e é desaconselhado pelos marqueteiros. Mas o partido não parece ter outro. Tanto assim que ontem, em Salvador, Dilma voltou a proferi-lo, acusando seus adversário de apelar “para o ódio, os xingamentos e a política desqualificada”.

São palavras que não resistem a um exame superficial. Política desqualificada? Que tal examinar os quadros da base parlamentar governista? Xingamentos? E o que Lula disse do ex-presidente Itamar Franco, ao ofender publicamente sua mãe? E o que o PT fez com a blogueira cubana Yoani Sánchez quando de sua visita ao Brasil? E com a deputada venezuelana Maria Corina? E o apoio ao regime venezuelano?

Há bem mais: o financiamento ao porto cubano, o perdão das dívidas de regimes totalitários africanos sem audiência ao Congresso etc. etc. Por aí, não será fácil estabelecer o debate que Lula acredita ter ainda sob controle.

Ruy Fabiano é jornalista.

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