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segunda-feira, 10 de novembro de 2014

FHC chama ‘diálogo’ de Dilma de ‘manipulação’

“Depois de uma campanha de infâmias, fica difícil crer que o diálogo proposto não seja manipulação”, disse Fernando Henrique Cardoso sobre a conciliação proposta por Dilma Rousseff há uma semana, no discurso em que celebrou sua reeleição. Para o ex-presidente tucano, a autora da proposta precisa demonstrar que merece crédito. Em artigo reproduzido neste domingo em vários jornais do país, o ex-presidente tucano anotou:

“Diante do apelo ao diálogo da candidata eleita devemos responder com desconfiança: primeiro mostre que não será leniente com a corrupção. Deixe que os mais poderosos e próximos (ministros, aliados ou grandes líderes) respondam pelas acusações. Que se os julgue, antes de condenar, mas que não se obstruam os procedimentos investigatórios e legais (Lula tentou postergar a decisão do STF sobre o mensalão o quanto pôde)…”

FHC deseja ainda que Dilma explique qual o modelo de reforma política que deseja. “Que se debata, sim, na sociedade civil e no Congresso, mas que se explicite o que ela entende por reforma política.” No mais, não considera razoável sentar à mesa antes que a presidente reeleita “tome as medidas econômicas para vermos em que rumo irá o seu governo.”

Já no título do artigo FHC leva o pé atrás: “Diálogo ou imposturas?” Ignorando o pedido de “auditoria” do resultado das urnas que o PSDB protocolou na Justiça Eleitoral, o presidente de honra do partido deu o braço a torcer: “Em uma de democracia não cabe às oposições, como ao povo em geral, senão aceitar o resultado das urnas.”

Mas FHC acha que faltou método a Dilma. E acha que a oposição tem de levar os lábios ao trombone. “…Não se pode aceitar passivamente que a ‘desconstrução’ do adversário, a propaganda negativa à custa de calúnias e deturpações de fatos, seja instrumento da luta democrática. Foi o que aconteceu, primeiro com Marina Silva, em seguida com Aécio Neves. O vale-tudo na política não é compatível com a legitimidade democrática do voto.”

Antes da campanha eleitoral, FHC costumava dizer que Dilma exercia a Presidência com mais distinção do que Lula. Tomado pelos termos do artigo, parece considerar que a disputa eleitoral igualou-os por baixo: “Não me refiro à língua solta de Lula, que diz o que quer quando lhe convém, mas ao fato de a própria presidenta e sua campanha terem endossado” a tática da pancadaria.

Sumido há uma semana, Aécio Neves voltará à cena num ato político marcado para quarta-feira, num auditório do Congresso Nacional. No seu texto, FHC como que sugeriu o timbre do discurso do correligionário: “É bom retomar logo a ofensiva na agenda e nos debates políticos”, escreveu. Disponível aqui, o artigo de FHC vai reproduzido abaixo:

Diálogo ou novas imposturas?

Em uma democracia não cabe às oposições, como ao povo em geral, senão aceitar o resultado das urnas. Mas nem por isso devemos calar sobre o como se conseguiu vencer, nem sobre o porque se perdeu. Os resultados eleitorais mostram que aprovação ao atual governo apenas roçou um pouco acima da metade dos votos. Ainda que a vitória se desse por 80% ou 90% deles, embora o respeito à decisão devesse ser idêntico ao que se tem hoje com a escassa maioria obtida pelo lulopetismo, nem por isso os críticos deveriam calar-se.

É bom retomar logo a ofensiva na agenda e nos debates políticos. Para começar, não se pode aceitar passivamente que a “desconstrução” do adversário, a propaganda negativa à custa de calúnias e deturpações de fatos, seja instrumento da luta democrática. Foi o que aconteceu, primeiro com Marina Silva, em seguida com Aécio Neves. O vale tudo na politica não é compatível com a legitimidade democrática do voto. Marina, de lutadora popular e mulher de visão e princípios, foi transformada em porta-bandeira do capital financeiro, o que não é somente falso, mas inescrupuloso. Aécio, que milita há trinta anos na política, governou Minas duas vezes com excelente aprovação popular, presidiu a Câmara e é senador, foi reduzido a playboy, farrista contumaz e “candidato dos ricos”.

Até eu, que nem candidato era, fui sistematicamente atacado pelo PT, como se tivesse “quebrado” o Brasil três vezes (quando como ministro da Fazenda ajudei o país a sair da moratória), como se tivesse deixado a Presidência com a economia corroída pela inflação (como se não fôssemos eu e minha equipe os autores do Plano Real que a reduziu de 900% ao ano para um dígito), como se os 12% de inflação em 2002 fossem responsabilidade de meu governo (quando se deveram ao temor de eventuais desmandos de Lula e do PT).

Não me refiro à língua solta de Lula, que diz o que quer quando lhe convém, mas ao fato de a própria presidenta e sua campanha terem endossado que o PSDB arruinou o Banco do Brasil e a Caixa, quando os repôs em sadias condições de funcionamento. E assim por diante, num rosário de mentiras e distorções, insinuando terem sido postos em baixo do tapete vários “escândalos”, como o “da pasta rosa” ou o “do Sivam”, ou “da compra de votos” da emenda da reeleição etc., factoides construídos com matéria falsa, levantada pelo PT, submetida a CPIs, investigações várias e julgamentos que deram em nada por falta de veracidade nas acusações.

Mas isso não é o mais grave. Mais grave ainda é ver a reeleita colocando-se como campeã da moralidade pública. Entretanto, não respondeu à pergunta de Aécio Neves sobre se era ou não solidária com seus companheiros que estão presos na Papuda. Calou ainda diante da afirmação feita no processo sobre o petrolão de que o tesoureiro do PT, senhor Vaccari, era quem recolhia propinas para seu partido. Havendo suspeitas, vá lá que não se condene antes do julgamento, mas até prova do contrário deve-se afastar o indiciado, como fez Itamar Franco com um ministro e eu fiz com auxiliares, inocentados depois, no caso Sivam. Então por que manter o tesoureiro do PT no conselho de Itaipu?

Pior. A propaganda incentivada pela liderança maior do PT inventou uma batalha dos “pobres contra os ricos”. Eu não sabia que metade do eleitorado brasileiro, que votou em Aécio, é composta por ricos… É difícil acreditar na boa fé do argumento quando se sabe que 70% dos eleitores do candidato do PSDB, segundo o Datafolha, compunham-se de pessoas que ganham até três salários mínimos. A propaganda falaciosa, no caso, não está defendendo uma classe da exploração de outra, mas enganando uma parte do eleitorado em benefício dos seus autores. Isso não é política de esquerda nem de direita, é má-fé política para a manutenção do poder a qualquer custo. Igual embuste foi a insinuação de que a oposição é “contra os nordestinos”, como se não houvesse nordestinos líderes do PSDB, assim como eleitores do partido no Nordeste.

Também houve erros da oposição. Quem está na oposição precisa bradar suas razões e persistir na convicção, apontar os defeitos do adversário até que o eleitorado aceite sua visão. Para isso precisa organizar-se melhor e enraizar-se nos movimentos da sociedade. Felizmente desta vez Aécio Neves foi firme na defesa de seus pontos de vista e, sem perder a compostura, retrucou os adversários à altura, firmando-se como um verdadeiro líder.

Diante do apelo ao diálogo da candidata eleita devemos responder com desconfiança: primeiro mostre que não será leniente com a corrupção. Deixe que os mais poderosos e próximos (ministros, aliados ou grandes líderes) respondam pelas acusações. Que se os julgue, antes de condenar, mas que não se obstruam os procedimentos investigatórios e legais (Lula tentou postergar a decisão do STF sobre o mensalão o quanto pôde). Que primeiro a reeleita se comprometa com o tipo de reforma política que deseja e esclareça melhor o sentido da “consulta popular” a que se refere (plebiscito ou referendo?). Que se debata, sim, na sociedade civil e no Congresso, mas que se explicite o que ela entende por reforma política. Do mesmo modo, que tome as medidas econômicas para vermos em que rumo irá o seu governo.

Só se pode confiar em quem demonstra com fatos a sinceridade de seus propósitos. Depois de uma campanha de infâmias, fica difícil crer que o diálogo proposto não seja manipulação. Só o tempo poderá restabelecer a confiança, se houver mudança real de comportamento.

A confiança é como um vaso de cristal, uma pequena rachadura danifica a peça inteira.“

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