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sexta-feira, 11 de março de 2016

“Na democracia é assim: com adversários, dialogamos. Com bandidos, processamos e condenamos”

Entrevista aprofundando a nota divulgada pela CNBB sobre a situação atual do Brasil.
A Presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou ontem, quinta-feira, 10, uma nota sobre o momento atual que o Brasil está enfrentando (leia nota).

Para aprofundar a mensagem dos prelados brasileiros, e tendo em vista a colossal manifestação que haverá no dia 13, em todo o território nacional, ZENIT entrevistou o jurista Paulo Jacobina Acompanhe a entrevista abaixo:
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ZENIT: “Vivemos uma profunda crise política, econômica e institucional que tem como pano de fundo a ausência de referenciais éticos e morais, pilares para a vida e organização de toda a sociedade”, afirmou a nota da CNBB ontem, sobre a situação atual do País. Como você analisa essa afirmação dos bispos?

Paulo Jacobina: Concordo. Estamos passando, já há muito tempo, por um processo de desconstrução das pessoas, das famílias, da fé e dos valores sociais da comunidade. Há uma hipertrofia da sexualidade e do culto ao corpo, uma defesa à eliminação dos bebês pelo aborto e dos velhos pela eutanásia, uma luta declarada contra símbolos religiosos e manifestações de apreço a Deus, as escolas ensinam os nossos filhos que todos os nossos antepassados foram apenas exploradores e aproveitadores do nosso povo, a valorização do consumo e das aparências em detrimento do esforço e do mérito, enfim, tudo isto não pode representar a construção de bases sólidas para a nossa nação. O resultado é este aí: já não se sabe distinguir entre o bem e o mal, e os mais ousados, os mais espertinhos, aqueles com os discursos mais bonitos ou as promessas mais miraculosas, atingem o poder para promover seus próprios interesses. Muitos de nós ficaram encantados com ideologias e filosofias espúrias, que prometeram avanços falsos e nos entregaram dissolução social.

ZENIT: Os nossos prelados convidam o povo à serenidade na hora de manifestar-se. “A busca de respostas pede discernimento, com serenidade e responsabilidade” e, mais adiante diz, “O momento atual não é de acirrar ânimos. A situação exige o exercício do diálogo à exaustão”. Porém, as notícias que circulam já nos mostraram grupos violentos se manifestando e prometendo ações de confronto no dia 13, com a população. Como dialogar, quando a outra parte só entende a violência como arma de negociação?

Paulo Jacobina: Na democracia é assim: com adversários, dialogamos. Com bandidos, processamos e condenamos. E quanto às provocações, às intimidações, respondemos com as manifestações populares cívicas e espontâneas, pacíficas, e com o voto. É exatamente assim que a maioria do povo brasileiro tem se comportado, e é neste sentido que entendo o chamamento da CNBB.

ZENIT: “É inadmissível alimentar a crise econômica com a atual crise política”, afirma a nota. Porém, parece ser que houve uma melhora circunstancial – na bolsa de valores, com a queda do dólar – na economia brasileira, com as simples notícias da semana passada. Como avaliar isso, na sua opinião?

Paulo Jacobina: Não se pode responsabilizar a população pelas más escolhas do governo. Uma população inteira não cria uma “crise política” apenas com o fito de alimentar uma crise econômica. Não podemos entender assim a nota da CNBB; devemos entendê-la apenas como uma séria advertência ao povo para que, em razão do grave momento, não caia de novo na conversa fácil de quem promete milagres econômicos ou benesses sociais para se aproveitar de crises políticas e se perpetuar no poder. Assim, leio como um chamado à consciência, dirigido à nossa liderança governamental, para que perceba que suas obstinações políticas têm agravado a situação econômica do nosso povo. ZENIT: Os bispos afirmaram “As suspeitas de corrupção devem ser rigorosamente apuradas e julgadas pelas instâncias competentes. Isso garante a transparência e retoma o clima de credibilidade nacional. Reconhecemos a importância das investigações e seus desdobramentos”. Isso seria uma clara menção ao processo da Lava-Jato?

Paulo Jacobina: Não somente à operação lava-jato, mas à forma correta com que estes operadores jurídicos têm lutado contra a corrupção dos poderosos, sem se intimidar nem pelo poder político, nem pelo poder econômico que detêm. São muitas atuações, como a operação Zelotes, a própria Lava-Jato, a apuração do Ministério Público de São Paulo sobre a fraude na BANCOOP, que demonstram um caminho a seguir para um país mais sério. O fortalecimento das instâncias de controle, como o Ministério Público, o Judiciário, o COAF e a própria Receita Federal, a Polícia Federal e os Tribunais de Contas, deve ser seguido pelo fortalecimento social, das famílias, oganizações sociais, entidades religiosas, empresas e dos órgãos de governo que nos devem fornecer as condições para que o bem comum se concretize. O que não podemos mais é ter um governo que se considera o único ator social legítimo, sob o pretexto de ser “popular” ou “representante de oprimidos”, e que nos legue a destruição que todo governo com tais pretensões lega a uma sociedade.

ZENIT: Por fim, afirma-se, na nota, que “As manifestações populares são um direito democrático que deve ser assegurado a todos pelo Estado. Devem ser pacíficas, com o respeito às pessoas e instituições. É fundamental garantir o Estado democrático de direito”. Pergunto: vivemos realmente em um Estado democrático de direito?

Paulo Jacobina: Um Estado Democrático de Direito se manifesta especialmente nos momentos de crise política, quando as instituições se deixam conduzir pela Constituição e pelas leis em vigor. O momento é de falta de lideranças políticas e de distanciamento entre as instituições governamentais e o povo, mas a própria atuação do Judiciário e do Ministério Público, além da postura participativa da população, demonstram que temos boa chance de sair desta crise sem abrir mão da ordem institucional. Mas isto depende, é claro, do engajamento cidadão e pacífico da nossa população. O estado democrático de direito resiste e resistirá sempre que a população deixar bem claro às nossas lideranças que quer a saída pela via do respeito á vontade popular, e não pelos aventureirismos políticos.

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