A nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao cargo de ministro do governo Dilma Rousseff neste momento pode resultar em ações de improbidade administrativa e chega a violar ate mesmo a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. É o que afirmam especialistas ouvidos pelo JOTA.
Ao assumir um posto na Esplanada, Lula seria beneficiado com a prerrogativa de foro. Assim, poderia ser julgado apenas pelo Supremo Tribunal Federal, esquivando-se do juiz Sergio Moro, responsável pela operação Lava Jato em primeira instância.
Em entrevista na manhã desta terça-feira, o ministro-chefe da Advocacia Geral da União, José Eduardo Cardozo, disse que a nomeação do ex-presidente como ministro não tem relação com as investigações da Lava Jato e sim com a necessidade de intensificar a negociação política com o Congresso.
“Qualquer governo do mundo se sentiria muito honrado em ter uma pessoa com a capacidade política, capacidade administrativa que o presidente Lula tem”, disse Cardozo. “A razão de ser de uma eventual entrada dele no governo é a contribuição que ele pode dar ao governo e ao país, acho que isso é importante ser ressaltado.”
No início da semana, a Justiça estadual de São Paulo encaminhou a Moro uma denúncia contra Lula por lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio. Moro também determinou, no início do mês, a condução coercitiva de Lula para prestar depoimento nas investigações da operação Lava Jato.
No dia 4 de março, a força-tarefa da Lava Jato informou que investiga se Lula é o chefe do esquema que teria prejudicado licitações da Petrobras e da Eletronuclear. A nomeação de Lula começou a ser discutida publicamente por lideranças petistas e do governo logo após esse episódio.
Obstrução da Justiça
Segundo o advogado Dircêo Torrecillas Ramos, ao aceitar ir para algum ministério, Lula busca fugir da ordem comum usando um cargo público sem nunca ter tido antes a chance de assumir o posto.
Ele afirma que a manobra poderia interferir no seu julgamento o que consiste em obstrução da Justiça.
“Neste caso, a ida do ex-presidente para um cargo de ministro interfere no julgamento, já que ele estaria ocupando um cargo nunca previsto antes e sem que a presidente Dilma tivesse cogitado a possibilidade antes. Ele não vai aceitar o cargo para colaborar com o Governo, seria penas para evitar o julgamento pelas vias normais”, disse.
O mesmo afirma o advogado Lucas Manzoli. Segundo ele, configura obstrução da justiça, o uso de um benefício ou prerrogativa de um cargo para conceder a um investigado a possibilidade de eleger o foro que vai julgá-lo.
“O STF é um foro que leva mais tempo para julgar os processos, além do ex-presidente escapar de um juiz que está agindo com um rigor um pouco maior. É a clara utilização de prerrogativa de um cargo para beneficiar um cargo específico”, afirma.
O criminalista Pierpaolo Bottini, do escritório Bottini & Tamasauskas Advogados, vai em linha contrária. Segundo ele, “é desmerecer o Supremo” dizer que a mudança de foro em consequência da nomeação do ex-presidente Lula representa obstrução de Justiça.
Além disso, Lula não é investigado ou acusado de nada na Justiça federal, o que dá liberdade ao ex-presidente para aceitar qualquer cargo que lhe seja oferecido.
Desvio de finalidade
Ramos lembra que na época do impeachment do ex-presidente Fernando Collor, ele chegou a renunciar, mas os mandados de segurança foram rejeitados no momento em que o Judiciário apontou para uma manobra de “esperteza jurídica” e o processo de impeachment continuou para que houvesse a perda de seus direitos políticos por oito anos.
“Se ele tivesse renunciado, não teria mais o que o Judiciário afastar”, explica.
O mesmo acontece com o caso de Lula, diz o advogado. “Se o procurador oferecer a denúncia, pode ser alegado que o ex-presidente ocupou cargo de ministro apenas para afastar o julgamento em todas as instâncias, o que implicaria esperteza jurídica”, diz.
Segundo o advogado Lucas Manzoli, a utilização de um cargo fora da sua finalidade específica é um ato administrativo que consiste em desvio de finalidade, “que é uma forma de improbidade administrativa”.
Convenção da ONU
A nomeação de Lula pode ainda representar uma violação da “Convenção das Nações Unidas contra a corrupção”, da qual o Brasil é signatário.
Segundo explica Manzoli, o artigo 30, inciso 2º da convenção estabelece que cada Estado Parte deve adotar medidas necessárias para manter um “equilíbrio apropriado” entre quaisquer imunidades ou prerrogativas jurisdicionais outorgadas a seus funcionários públicos para o cumprimento de suas funções, e não pode interferir na punição de um crime de corrupção.
Segundo o advogado, a convenção não impede que determinados cargos de governo tenham acesso a prerrogativas jurisdicionais, como aquelas concedidas à Ministros de Estado.
“No entanto, o uso dessas prerrogativas deve ter como papel proteger o cargo e as funções de Estado, mas nunca o indivíduo que eventualmente as exerça. Não é possível utilizar prerrogativas jurisdicionais ou qualquer outro beneficio de um funcionário público, como por exemplo um ministro de Estado”, diz.
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