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terça-feira, 25 de outubro de 2016

Entidades da magistratura repudiam “graves declarações” de Renan sobre juiz de primeira instância

Senador convocou a imprensa e, em seu gabinete, criticou “juizeco” responsável por operação que prendeu policiais do Senado. Para AMB e Ajufe, Renan tenta atrapalhar processos sobre corrupção envolvendo “investigados influentes”.

POR FÁBIO GÓIS  | 24/10/20
Duas das principais entidades da magistratura nacional, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), divulgaram nota (leia as íntegras abaixo) na noite desta segunda-feira (24) em que repudiam as declarações feitas mais cedo pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), sobre a prisão de policiais legislativos a ele subordinados. Sob acusação de atrapalhar a Operação Lava Jato, quatro agentes, entre eles o chefe da polícia institucional, Pedro Ricardo Araújo, foram detidos pela Polícia Federal na última sexta-feira (21) e indiciados por crimes como associação criminosa armada e corrupção (apenas Pedro continua preso).

Para Renan, o Senado não pode se submeter a determinações legais de um “juizeco” – no caso, o juiz da 10ª Vara Federal de Brasília, Vallisney de Souza Oliveira, responsável pela ação denominada Operação Métis. Ao fazer a declaração sem citar o nome de Vallisney, no entanto, o senador generaliza o discurso e, consequentemente, abrange em suas críticas o próprio juiz federal Sérgio Moro, responsável pelos processos da Lava Jato em primeira instância.

“Um juizeco de primeira instância não pode, a qualquer momento, atentar contra um poder. É lamentável que isso aconteça em um espetáculo inusitado, que nem a ditadura militar fez, com a participação do ministro do governo federal que não tem se portado como um ministro de Estado. No máximo, tem se portado como um ministro circunstancial de governo, chefete de polícia”, vociferou Renan, em coletiva de imprensa concedida em seu gabinete, estendendo suas críticas ao ministro da Justiça, Alexandre de Moraes. Chefe imediato da Polícia Federal, o ministro se manifestou no dia da prisão dos agentes e, na contramão de Renan, disse que qualquer ofensiva contra a Lava Jato seria investigada.

Sem mencionar os 11 inquéritos a que Renan responde no Supremo Tribunal Federal (STF), a maioria relativa à Lava Jato, a AMB manifestou repúdio às palavras do peemedebista e o associou a regimes de exceção. “O histórico avanço das investigações de esquemas de corrupção, muitas vezes envolvendo importantes autoridades da República, naturalmente gera reações, mas não se pode admitir neste contexto práticas típicas de regimes totalitários onde as cúpulas são blindadas, não raras vezes tendo como primeiro ato retaliar e promover a cassação de magistrados, como já ocorreu em nosso País e ainda ocorre em diversas partes do mundo”, registra a entidade.

“A tentativa do presidente do Congresso em desengavetar o Projeto de Lei de Abuso de Autoridade (PLS 280/2016), já denunciada pela AMB e repudiada em ato público, é exemplo de ações incessantes, por diversos meios, de enfraquecer o Judiciário e põe em risco todo o combate à corrupção em curso no Brasil, numa clara manobra para intimidar autoridades na aplicação da lei penal em processos que envolvem investigados influentes”, acrescenta a AMB.

Representante dos juízes federais, classe à qual pertence Vallisney de Souza, a Ajufe também condenou a postura do senador – que em maio foi flagrado em áudio dizendo, entre outras coisas, temer uma delação premiada do senador cassado Delcídio do Amaral, preso na Lava Jato entre novembro de 2015 e fevereiro deste ano justamente por obstrução de Justiça. “Deus me livre, Delcídio é o mais perigoso do mundo. O acordo [inaudível] era para ele gravar a gente, eu acho, fazer aquele negócio que o J. Hawilla fez”, afirmou, em alusão ao empresário que gravou conversas com dirigentes da Fifa.

Citando projeto recentemente desengavetado por Renan, não por acaso referente a abuso de autoridade, a Ajufe diz que o parlamentar age para enfraquecer os agentes anticorrupção do país. “Esse comportamento, aliás, típico daqueles que pensam que se encontram acima da lei, só leva à certeza que merece reforma a figura do foro privilegiado, assim como a rejeição completa do projeto de lei que trata do abuso de autoridade, amplamente defendido pelo senador Renan Calheiros, cujo nítido propósito é o de enfraquecer todas as ações de combate à corrupção e outros desvios em andamento no país”, protesta a associação.

Leia a nota da AMB:

“A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) repudia veementemente as graves declarações do presidente do Congresso Nacional, Renan Calheiros, ao desqualificar a Justiça de Primeiro Grau e, consequentemente, toda a magistratura nacional.

A garantia do trabalho de juízes dentro de suas esferas de competência, como ocorreu no caso, é um dos pilares do Estado Democrático de Direito, e qualquer obstrução a investigações de órgãos do Poder Judiciário constitui crime e representa um atentado às instituições democráticas.

O histórico avanço das investigações de esquemas de corrupção, muitas vezes envolvendo importantes autoridades da República, naturalmente gera reações, mas não se pode admitir neste contexto práticas típicas de regimes totalitários onde as cúpulas são blindadas, não raras vezes tendo como primeiro ato retaliar e promover a cassação de magistrados, como já ocorreu em nosso País e ainda ocorre em diversas partes do mundo.

A tentativa do presidente do Congresso em desengavetar o Projeto de Lei de Abuso de Autoridade (PLS 280/2016), já denunciada pela AMB e repudiada em ato público, é exemplo de ações incessantes, por diversos meios, de enfraquecer o Judiciário e põe em risco todo o combate à corrupção em curso no Brasil, numa clara manobra para intimidar autoridades na aplicação da lei penal em processos que envolvem investigados influentes.

É inaceitável a desqualificação da magistratura e a AMB não transigirá na luta pela manutenção do papel do Poder Judiciário na República e na garantia de sua atuação autônoma e independente, não podendo servir a figura do foro privilegiado como escudo a qualquer tipo de ataque ao Estado Democrático de Direito e às instituições que lhe dão sustentação.

João Ricardo Costa
Presidente da AMB”

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