Por trás de um nome aparentemente neutro, esconde-se um poderoso mecanismo de alocação do dinheiro público – e também de capital eleitoral. Estamos falando das emendas parlamentares, instrumento garantido aos deputados federais e senadores brasileiros em relação ao orçamento da União. Vamos entender por que essas emendas são tão importantes – e polêmicas.
A LEI ORÇAMENTÁRIA E AS EMENDAS
Todos os anos, o governo federal precisa elaborar um projeto de lei orçamentária, que determinará os gastos federais no ano seguinte.
Para que o processo seja mais transparente, o orçamento precisa ser apresentado ao Congresso Nacional. Este, por sua vez, analisa o projeto e define se aprova ou não a proposta do governo.
É nesse momento que podem ser apresentadas as emendas parlamentares, ou seja, alterações no orçamento anual feitas diretamente pelos deputados e senadores. Elas podem ser de três tipos:
- apropriação: acrescentam despesas para o projeto;
- remanejamento: proposição de novos projetos, com uso de recursos já previstos no projeto original;
- cancelamento: suprime alguma despesa prevista.
Todas as emendas precisam passar pela análise da Comissão Mista de Orçamento para serem aprovadas. Também é necessário apresentar um projeto detalhado que justifique o uso dos recursos.
As emendas são vistas por muitos como um instrumento positivo. Segundo os defensores, dar esse poder aos parlamentares significa alocar de forma mais eficiente os recursos do orçamento. Os deputados e senadores conhecem muito melhor a realidade de seus estados, regiões e localidades do que o governo federal, que não consegue dar conta de dar atenção às múltiplas demandas de cada um dos muitos recantos do país. Por isso, os projetos vindos de emendas parlamentares seriam mais bem direcionados, atendendo de forma eficiente aos principais anseios de cada localidade. Mas, na prática, as emendas criaram relações problemáticas.
BARGANHA ENTRE PLANALTO E CONGRESSO
Até 2015, as emendas parlamentares eram executadas livremente pelo governo federal. Ou seja, os parlamentares as propunham, mas o governo definia se os recursos para as emendas seriam liberados e quando. Por isso, esse instrumento tornou-se uma forma de barganha entre Executivo e Legislativo (semelhante às indicações de ministros): os recursos das emendas eram liberados pelo governo em momentos estratégicos, quando precisava de grande apoio do Legislativo para aprovação de projetos.
Foi então que surgiu a Emenda Constitucional 86, aprovada em março de 2015, conhecida como PEC do orçamento impositivo, que estabeleceu um valor mínimo vindo de emendas parlamentares que devem, obrigatoriamente, ser executadas no ano seguinte. Esse valor equivale a 1,2% da receita corrente líquida do ano anterior, algo em torno de R$ 10 bilhões em 2016.
Isso significa que hoje, para cada parlamentar brasileiro (temos 513 deputados federais e 81 senadores), é garantida uma cota individual de pouco mais de R$ 15 milhões, que podem ser destinados a um máximo de 25 emendas diferentes. Mas existe uma ressalva importante: metade do valor das emendas precisa ir para a saúde.
Além dos deputados, as bancadas estaduais também podem apresentar emendas ao orçamento. São permitidas duas emendas que liberam até 0,8% da receita corrente líquida, o que significou cerca de R$ 224 milhões por bancada em 2016. Os recursos são destinados a projetos de grande relevância para os estados ou regiões dos parlamentares.
Além das bancadas estaduais, as Comissões Permanentes do Senado e da Câmara, além das Comissões Mistas Permanentes (que incluem senadores e deputados federais) são mais um grupo com direito a emendar o orçamento. O limite é de oito emendas por comissão, mas não há teto para os valores propostos.
A Emenda 86, na prática, fortaleceu os parlamentares, pois garantiu que uma cota mínima de emendas será sempre executada. Por outro lado, diminuiu o poder de barganha do governo, mas ainda preservou uma capacidade: ditar o ritmo de liberação de recursos das emendas. Em maio de 2017, por exemplo, foi noticiado que Temer planejava liberar recursos de emendas mais cedo que o programado, para garantir apoio à reforma da previdência.
BARGANHA ENTRE PARLAMENTARES E BASES
As emendas parlamentares são tradicionalmente utilizadas para projetos que agraciam as bases eleitorais dos congressistas. Ficam de olho nas emendas principalmente os prefeitos, que dependem em parte desses recursos. Ou seja, assim como o governo possui uma vantagem em liberar as emendas para o Congresso, os parlamentares conseguem barganhar com políticos da esfera municipal. Vale notar que deputados estaduais também têm o poder de emendar o orçamento estadual, o que garante poder semelhantes ao dos deputados federais e senadores, dentro de seus estados.
Esse quadro é criticado por muitos prefeitos, que culpam o modelo de tributação brasileiro, excessivamente centralizado na União. Com o grosso dos tributos arrecadados no nível federal, cria-se uma dependência do poder municipal em relação a Brasília, pois são eles que podem garantir verbas realmente significativas para investimentos nos municípios.
O QUE UMA EMENDA PARLAMENTAR PODE TER A VER COM A CORRUPÇÃO?
Além da questão da barganha entre deputados, senadores e respectivas bases eleitorais, existem também casos mais graves envolvendo o uso de emendas parlamentares. Não são raros os escândalos de corrupção ligados ao uso desses recursos. Há casos de deputados que supostamente cobravam propina sobre a liberação de emendas a determinados grupos empresariais, como o ex-deputado federal e hoje deputado estadual de Minas Gerais João Magalhães, que foi acusado de vender emendas por propinas de 10% a 12%.
O escândalo dos anões do Orçamento, desvendado em 1993, é um dos casos mais clássicos de corrução envolvendo emendas. Segundo o Estadão, o esquema consista em fraudes no orçamento da União, como desvio de recursos para organizações sociais fantasmas e para empreiteiras, como a Odebrecht (hoje implicada na Operação Lava Jato).
Esses desvios eram acertados por emendas via Comissão Mista de Orçamento, da qual fazia parte o deputado João Alves, apontado como chefe da quadrilha. Por conta da repercussão do caso, foi instalada uma CPI, que pediu a cassação de 18 deputados, a maioria do “baixo clero” da Câmara. Mas, entre eles, estava o então presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro, que foi cassado na época. Mais tarde, em 2000, ele foi inocentado pelo STF, por falta de provas. Ao todo, seis parlamentares foram cassados e outros quatro renunciaram. Os oito restantes foram absolvidos.
Outro escândalo envolveu o Ministério do Turismo, em 2011. Uma emenda parlamentar da deputada Fátima Pelaes liberou recursos para uma organização social de fachada, que supostamente realizaria treinamentos de pessoal no Amapá. Teriam sido desviados R$ 4 milhões pelo esquema, segundo a Folha de São Paulo.
CONCLUSÃO
As emendas parlamentares seriam uma forma de descentralizar o orçamento, aumentando a participação de deputados e senadores no processo de definição do uso do dinheiro público. Entretanto, há muitos indícios de que esse instrumento foi descaracterizado e tornou-se uma porta para esquemas de corrupção.
Afinal, o que fazer com as emendas? Como evitar que elas não impliquem desvios de recursos? Deixe sua opinião nos comentários!
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