sexta-feira, 16 de novembro de 2018

O circo de Lula


Sem argumentos para rebater acusações no processo do sítio de Atibaia, Lula perde a compostura e acaba sendo repreendido pela juíza Gabriela Hardt: “O senhor está intimidando a acusação. E eu não vou permitir”.

Wilson Lima 15/11/18 

Os processos que pesam contra o ex-presidente Lula, o que envolve o sítio de Atibaia é sabidamente o mais consistente. Para responder sobre o imóvel, na quarta-feira 14, Lula deixou pela primeira vez sua sala-cela na sede da Polícia Federal em Curitiba, desde que foi preso. Constituiu sua estreia frente-a-frente com a juíza Gabriela Hardt, substituta de Sergio Moro, futuro ministro da Justiça do governo Bolsonaro. Logo no início do depoimento, o clima esquentou. Inadvertidamente, Lula quis lançar uma ironia num tom que resvalava para a agressividade, mas acabou fortemente repreendido pela juíza. “Doutora, eu só queria perguntar para meu esclarecimento. Eu sou o dono do sítio?”, questionou Lula. “Isso é o senhor que tem que responder”, retrucou a juíza para, em seguida, emendar: “Senhor ex-presidente, esse é um interrogatório. E se o senhor começar nesse tom comigo, a gente vai ter problema”. Ao agir com firmeza, a substituta de Moro exibiu uma face até então desconhecida do grande público: a de uma magistrada séria, pouco ou quase nada afeita a manobras diversionistas, expediente usado em geral pelos réus na tentativa de ludibriar o juízo. “A Gabriela Hardt é uma juíza linha Hard(t)”, brincam quem a conhece de perto.

LINHA HARD(t) Em depoimento na quarta-feira 14,
a juíza Gabriela Hardt não se dobrou às manobras de Lula
(Crédito:Divulgação)

Durante o depoimento, Lula admitiu que passou a frequentar o sítio a partir de 15 de janeiro de 2011, após deixar a presidência da República, conforme consta na denúncia do MPF. Lula disse que em 12 de janeiro ficou sabendo que Jacó Bittar havia adquirido a propriedade. Bittar é um ex-petroleiro, sindicalista e integrante à época do Conselho de Administração da Petrobras. Depois, tomou conhecimento que o dono do imóvel seria Fernando Bittar, filho de Jacó.

Quando questionado sobre as razões de utilizar o quarto principal do sítio em vez do de hóspedes, o que seria o procedimento usual para pessoas que estão abrigadas em residências de terceiros, Lula alegou ter se valido de prerrogativa presidencial. “Quando me davam (o quarto principal), eu ocupava. Isso era uma deferência que eu recebia tanto lá na chácara, quanto era recebido no palácio da rainha da Inglaterra, da rainha da Suécia, em vários lugares que eu frequentei, inclusive no Kremlin. Eu não sei o que o Ministério Público achou de absurdo nisso”, declarou o ex-presidente. Não consta, porém, que a rainha Elizabeth II ou o presidente Puttin tenham deixado seus aposentos para que Lula repousasse neles.

Assim como aconteceu no processo do tríplex, dona Marisa foi novamente alçada à condição de responsável pelos detalhes mais incriminatórios, como a aquisição de itens de lazer. “O pedalinho foi ela (Marisa) que comprou”.

A denúncia do Ministério Público Federal (MPF) no âmbito da Lava Jato, na verdade, jamais afirmou peremptoriamente que a propriedade do sítio era do ex-presidente Lula. Mas sim que foi reformado e recebeu diversas melhorias feitas por empreiteiras para que ele desfrutasse do imóvel. Tais melhorias são entendidas pelos procuradores como uma forma de pagamento de propina proveniente de seis contratos firmados entre a Petrobras, a Odebrecht e a OAS. De acordo com os procuradores, as melhorias no imóvel totalizaram R$ 1,02 milhão. Sobre isso, Lula pouco respondeu.

“Senhor ex-presidente, esse é um interrogatório. E se o senhor começar nesse tom comigo, a gente vai ter problema” Gabriela Hardt, juíza da 13ª Vara Federal do Paraná

Bravatas

Durante as três horas de depoimento, Lula recorreu a ironias e bravatas para tentar negar sua relação com a Odebrecht e a OAS. Também não conseguiu explicar o fato de ter feito aproximadamente 270 visitas ao local durante os anos de 2011 e 2016 nem o motivo pelo qual foram encontradas notas fiscais sobre reformas no sítio no apartamento do ex-presidente, durante busca e apreensão ocorrida em 2016. Sobre o tema, Lula foi lacônico: “Bom, primeiro eu não sei se foi encontrado no meu apartamento. Eu tô sabendo disso agora”. Depois, emendou. “Eu nunca soube de nota de obra na minha casa”. A surrada e já reprovada tática do “não sei de nada” de novo não deve surtir efeito. As provas contra o ex-presidente são tão ou mais robustas que aquelas que o levaram à condenação no processo do tríplex.

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