A ideia era uma conversa franca que tratasse de algumas questões mais delicadas. Rodrigo Maia, Dias Toffoli e Davi Alcolumbre esperavam em um tete a tete com Bolsonaro, no encontro na residência oficial da Câmara, levantar pontos que os têm incomodado. Os generais que assessoram o presidente no Palácio do Planalto sentiram cheiro de queimado e sugeriram a Bolsonaro que levasse uma penca de ministros e tornasse o encontro meramente social.
A intenção é cortar as asas de Moro, esvaziar seu pacote anti-crime, devolver o Coaf à Fazenda, e anular sua influência na sucessão na PGR. Moro tenta resistir com o apoio das redes sociais e dos novos parlamentares.
O receio dos generais era de que, em nome de um entendimento entre os poderes, Bolsonaro ficasse numa saia justa. Dias Toffoli e Rodrigo Maia estão preocupados, por exemplo, com a desenvoltura do ex-juiz Sérgio Moro que, com o apoio da Força Tarefa da Lavo Jato, estaria abocanhando poderes além do razoável, como pôr a inteligência da Receita Federal a serviço do combate à corrupção e ao crime organizado.
Acendeu o sinal de alerta a transferência do Coaf da Fazenda para a Justiça. Na ótica das elites políticas, jurídicas e burocráticas de Brasília, isso significa compartilhar os dados fiscais de todos os brasileiros, destinados ao controle da arrecadação pela Receita Federal, com a área policial do governo. O que se fala nos bastidores em Brasília é que Bolsonaro se arrependeu da mudança e os ministros do Supremo estão prontos para vetá-la.
Nessa quinta-feira (21), o STF já começa a tratar dessa questão, mesmo que ainda indiretamente. Está na pauta do tribunal o julgamento sobre a legalidade de a Receita Federal, como é praxe hoje, compartilhar informações com o Ministério Público sem autorização judicial. O relator é Dias Toffoli. Ele e Gilmar estão tiriricas com a Receita por serem alvos de procedimentos sobre supostos ganhos suspeitos. “Hoje é uma farra. Qualquer fiscal pode ter acesso à qualquer coisa. É uma guerra sem quartel”, critica Gilmar Mendes ao defender que o Supremo ponha ordem na casa.
Outro motivo de apreensão é a escolha do futuro procurador-geral da República. Estava dado como certo que Sérgio Moro daria a palavra final apoiando um procurador afinado com a Lava Jato. Isso desagrada ao comando do Congresso e do STF. A pisada na bola da turma de Curitiba, com a tal fundação privada que receberia R$ 2,5 bilhões como compensação pelos roubos na Petrobras, uniu os poderes em Brasília, inclusive o Planalto, contra a pretensão de Moro na sucessão na PGR.
Sérgio Moro, portanto, pode perder o Coaf e a influência na sucessão da procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Ele está sentindo ruir também toda a sua estratégia para aprovar seu pacote anti-crime no Congresso Nacional. Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, em nome da necessidade de aprovar a reforma da Previdência, resolveram jogar o pacote de Moro na vala comum do parlamento.
É uma forma, digamos, de fritura em fogo baixo. Moro não gostou. Resolveu peitar. Mal desembarcou da viagem aos Estados Unidos, em que parece ter feito apenas figuração na comitiva presidencial, foi para a Câmara defender que seu pacote anti-crime tramite logo. Era tudo o que Rodrigo Maia queria. Sabe que é a melhor hora para um embate com o ministro da Justiça, detestado pelos caciques partidários e sem um oponente visível na política desde o fiasco da candidatura Renan Calheiros à presidência do Senado.
Rodrigo Maia, que nunca havia batido de frente com Moro, resolveu atiçar o fogo e falar grosso. Disse que Sérgio Moro, “funcionário de Bolsonaro”, estava confundindo as bolas ao declarar de ter um entendimento com ele sobre a tramitação de seu pacote na Câmara. Como chefe de poder, seu interlocutor teria que ser Bolsonaro. Depois desdenhou das propostas, afirmando que era um “copia e cola” dos projetos apresentados por Alexandre de Moraes ainda no governo Michel Temer. Soou grosseiro.
Moro foi bem mais educado na resposta, em nota divulgada ontem à noite. ” A única expectativa que tenho, atendendo aos anseios da sociedade contra o crime, é que o projeto tramite regularmente e seja debatido e aprimorado pelo Congresso Nacional com a urgência que o caso requer. Talvez alguns entendam que o combate ao crime pode ser adiado indefinidamente, mas o povo brasileiro não aguenta mais. Essas questões sempre foram tratadas com respeito e cordialidade com o presidente da Câmara. E espero que o mesmo possa ocorrer com o projeto e com quem o propôs. Não por questões pessoais, mas por respeito ao cargo e ao amplo desejo do povo brasileiro de viver em um país menos corrupto e mais seguro”.
Na expectativa do aval de ministros do STF, os líderes do Centrão estimulam Rodrigo Maia a partir para o confronto com Sérgio Moro. A maioria deles está envolvida na Lava Jato e em outros escândalos de corrupção. Só têm a ganhar se Moro perder a parada que o fez trocar o cargo de juiz federal pelo Ministério da Justiça. Mas Moro não está só. Boa parte dos novos deputados e senadores, eleitos contra todos os prognósticos, fizeram campanha com a Lava Jato como principal bandeira. Com a pilha das redes sociais, que já começaram a protestar, essa turma vai reagir a fritura na Câmara e no Senado.
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