Entrevista com o secretário da Pontifícia Comissão para a América Latina, Guzmán Carriquiry, sobre as perspectivas da viagem pastoral.
Por Sergio Mora
Roma, 03 de Julho de 2015 (ZENIT.org)
O Papa Francisco começa neste domingo a sua viagem de uma semana a três países da América Latina. O professor Guzmán Carriqury, secretário da Pontifícia Comissão para a América Latina esclarece nesta entrevista a ZENIT, os cinco pontos fortes da viagem. Acrescenta que Francisco vai encontrar uma Igreja mais unida e tranquila depois da queda dos muros e das ideologias políticas. E que o documento de Aparecida é convergente na América Latina das mais diversas sensibilidades, junto com o pontificado do Papa Francisco pode inspirar uma grande convergência na comunhão e na unidade dos católicos latino-americanos.
ZENIT: O que o Papa levará para essa viagem à América Latina e quais os pontos fortes?
- Prof. Carriquiry: Na verdade, trata-se das primeiras visitas pastorais aos países latino-americanos, porque Brasil, na Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro em 2013, foi uma visita pastoral e enquanto ele encontrou os bispos brasileiros e foi para Aparecida, a visita pastoral àquele país vai ser outra coisa.
A segunda coisa: é a primeira viagem onde o Papa irá falará ao povo na sua própria língua, em espanhol, e embora tenha saído bem com outros idiomas, isso permitirá a Francisco uma liberdade e expressividade ainda maior.
Em terceiro lugar: o nível de popularidade de afeto, de credibilidade e de esperança que suscita a figura do Papa na América Latina, nos nossos povos e nos Governos é tal que vamos testemunhar impressionante abraço de amor e devoção do Papa com o povo e dos povos com o Papa.
Quarto elemento: o Papa não escolhe os grandes para começar a sua visita pastoral na América Latina, México, Brasil, Argentina, nem mesmo os médios, Chile, Colômbia, Perú, etc., mas aqueles que pessoalmente chamo de ‘periferias emergentes’, porque em uma dinâmica geopolítica são periferias que viveram uma longa tradição de pobreza, desigualdades sociais, de instabilidades políticas.
Periferias sim, mas emergente, porque nos últimos 12 anos, esses países experimentaram um ritmo de crescimento impressionante. Ainda no 2015, em condições desfavoráveis para América Latina, Equador prevê que crescerá um 4% e Bolívia e Paraguai um 5%. Este enorme desenvolvimento econômico tirou estes países da imobilidade e as massas indígena-camponeses destes países, tornando-as participantes da nova cidadania e do processo de desenvolvimento e de modernização. Surgiram novos setores da classe média populares que saíram da pobreza. Estes três países que o Papa vai encontrar, serão muito diferentes dos países que trinta anos atrás encontrou João Paulo II.
Em quinto lugar, o Papa sabe que, desde as periferias, é possível ver melhor o conjunto, a perspectiva da totalidade. Ele começou pelas periferias da Europa: pela Bósnia-Herzegovina e Albânia, e não por Espanha, França ou Alemanha.
Destas periferias emergentes o Papa vai ter muito presente o conjunto da América Latina. E o conjunto da América Latina estará na mente do Papa nesta viagem. Então, um discurso importantíssimo sobre a fraternidade dos povos e nações, da cooperação e a integração, acho que será muito forte por ocasião desta viagem.
ZENIT: Como é a Igreja que o Santo Padre vai encontrar agora?
- Prof. Carriquiry: O Papa vai encontrar igrejas em um estado muito diferente daquele encontrado, há trinta anos, por João Paulo II. Então, eram Igrejas muito tensas, polarizadas, às vezes divididas, onde os debates políticos e ideológicos relacionados com a teologia da libertação estavam na ordem do dia.
ZENIT: Isto é?
- Prof. Carriquiry: Hoje são Igrejas mais serenas na comunhão, Igrejas que viveram o legado e as orientações da V conferência geral do episcopado em Aparecida, lançadas na missão continental, mas, especialmente interpeladas pelo que o Papa Francisco está comunicando através da Evangelii Gaudium. Ou seja, uma Igreja que olha para o núcleo do evangelho, missionária, de saída, misericordiosa, sem exclusões, cheia de ternura e compaixão, com amor e predileção pelos pobres. Igrejas que se sentem chamadas e conduzidos por este tempo de graças que estamos vivendo, que não se pode desperdiçar. Um tempo favorável para a evangelização. Igrejas chamadas a contribuir para o desenvolvimento desses países, estabelecendo um maior diálogo entre governos e episcopados, favorecendo a liberdade da Igreja para a crítica que merecem certas situações de pobreza e desigualdades. As vezes recaídas autoritárias e situações que mereceriam serem tratadas com outra serenidade e equanimidade.
ZENIT: Aparecida assume o desafio de combater a pobreza, mas em outra chave, certo?
- Prof. Carriquiry: No documento de Aparecida não se fala da teologia da libertação, mas todas as intuições providenciais riquíssimas da teologia da libertação estão ali presentes. Já incorporadas no magistério da Igreja latino-americana e diria que até mesmo mundial. Outra coisa é que se tornem formas inculturadas de viver a fé, mas já estão integradas.
E depois da queda dos muros e do socialismo real, o que eram as infiltrações ideológicas e políticas caíram por si só. Por isso, Aparecida é um documento convergente na América Latina das mais diversas sensibilidades, de modo que o pontificado do Papa Francisco pode inspirar uma grande convergência na comunhão e na unidade dos católicos latino-americanos.
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- Prof. Carriquiry: Claro, a Terra é criação de Deus, a Mãe Terra não é uma divindade, como se acreditava nas velhas cosmologias indígenas. A criação de Deus, de alguma forma 'profana a terra', mas ao mesmo tempo a confia à gestão prudente do homem e não ao domínio selvagem. Muitas expressões que se repetem hoje sobre a Pachamamac, e quando começam a aparecer as bruxas e os xamãs geralmente têm pouco a ver com as tradições das religiões indígenas pré-colombianas ou das religiões tradicionais, mas são formas hoje em dia muito artificiais que de alguma forma servem para manifestar esta realidade multicultural e multinacional de alguns países.
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