quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Palocci diz a Moro que Lula tinha pacto de sangue com a Odebrecht


Palocci disse que ele e Lula tentaram atrapalhar investigações da Lava Jato. Ação apura se a Odebrecht pagou propina a Lula com compra de terreno.

Depois de décadas no PT, o ex-ministro Antonio Palocci quebrou nesta quarta-feira (6) o silêncio, diante do juiz Sérgio Moro. Sem meias palavras, o antigo braço direito de Lula acusou o ex-presidente: ele tinha um pacto de sangue com a Odebrecht e recebeu um pacote de propina que incluía o terreno do Instituto Lula, o sítio em Atibaia, palestras com cachê de R$ 200 mil cada uma, e R$ 150 milhões para as campanhas do ex-presidente. Tudo dinheiro de corrupção em contratos superfaturados com empresas públicas. Palocci afirma que Dilma sabia e compactuava com o esquema criminoso, e que ele e Lula tentaram atrapalhar as investigações da força-tarefa da Lava Jato.

O ex-ministro Antonio Palocci falou por cerca de duas horas ao juiz Sérgio Moro. Nesta ação, além de Palocci, são réus o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outras seis pessoas.

A ação apura se a Odebrecht pagou propina de R$ 12 milhões a Lula com a compra de um terreno em São Paulo, onde seria construída a sede do

Instituto Lula, e também de um apartamento vizinho ao de Lula, em São Bernardo do Campo.

Mas no depoimento desta quarta-feira (6), Palocci também foi questionado sobre outros assuntos e respondeu a todas as perguntas Palocci está preso desde setembro de 2016. Em junho, em outra ação da Lava Jato, foi condenado a 12 anos de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

Nessa ação, o Ministério Público afirma que o ex-ministro intermediou o repasse, no exterior, de US$ 10 milhões da Odebrecht ao casal de marqueteiros João Santana e Monica Moura, responsáveis por campanhas presidenciais de Lula e Dilma. Palocci é apontado como o Italiano em planilhas do setor de propinas da Odebrecht. Depois do depoimento desta quarta a Sérgio Moro, Antonio Palocci foi levado de volta à carceragem da Polícia Federal, onde segue preso.

Vantagens indevidas

Palocci confirmou que são verdadeiras as denúncias de pagamento de vantagens indevidas, em forma de doação de campanha e benefícios pessoais, nos governos Lula e Dilma.

Moro: Senhor Palocci, eu vou fazer aqui uma inquirição mais restrita ao objeto dessa acusação específica. Há uma referência na acusação de que a Odebrecht teria adquirido esse imóvel na Rua Haberbeck Brandão, isso em 2010, para utilização do Instituto Lula. O senhor participou de alguma maneira desses fatos?

Palocci: Os fatos narrados nela são verdadeiros. Eu diria apenas que os fatos narrados nessa denúncia dizem respeito a um capítulo num livro um pouco maior do relacionamento na empresa em questão, a Odebrecht, com o governo do ex-presidente Lula e a ex-presidente Dilma, com uma relação bastante intensa, bastante movida a vantagens dirigidas a empresas, a propinas pegas pela Odebrecht para agentes públicos em forma de doação de campanha, em forma de benefícios pessoais, em forma de caixa 1, caixa 2. E esse foi um episódio desse conjunto de práticas que envolveu essa empresa em relação ao governo do ex-presidente Lula e da ex-presidente Dilma. Relação intensa com Odebrecht

O ex-ministro disse que a relação dos governos de Lula e Dilma com a Odebrecht era intensa e gerou doações ilegais para campanhas eleitorais.

Palocci: A Odebrecht em particular tinha uma relação fluida com o governo em todos os aspectos. Diria partindo dos aspectos de realização de projetos assim como em participação em campanhas. As participações em campanhas se davam de todas as maneiras. A maior parte com caixa 1. Mas um caixa 1 muitas vezes originário de atitudes e de contratos ilícitos.

Moro: O senhor exemplificar contratos ilícitos que eventualmente viraram créditos?

Palocci: Ah, diversos. Os da Petrobras quase todos geraram créditos.

Moro: Mas o senhor tinha conhecimento disso?

Palocci: Tinha.

Odebrecht, Dilma e tensão

O ex-ministro disse que quando Dilma Rousseff foi eleita, os representantes da Odebrecht ficaram tensos, porque não tinham um bom relacionamento com a ex-presidente.

Palocci: Esse relacionamento sempre foi fluido e foi na base de confiança. Eu nunca tive, até o final do ano de 2010, nenhum valor estabelecido com o Marcelo Odebrecht, porque tudo o que eu pedia, eles atendiam. Agora, eu também não pedia coisas absurdas. Eram coisas relativas ao relacionamento - não lícito - mas o relacionamento entre uma grande empresa com o governo. Mas eles nunca recusaram, então eu não tinha valores estabelecidos com o Marcelo Odebrecht. Mas em 2010 aconteceu uma coisa estranha porque a empresa Odebrecht se mostrou muito tensa com a posse da presidente Dilma. Uma tensão que, eu diria, desproporcional, uma tensão muito grande.

Pacto de sangue

Palocci: Então quando a presidente Dilma foi tomar posse, a empresa entrou num certo pânico e foi nesse momento que o doutor Emilio Odebrecht fez uma espécie de pacto de sangue com o presidente Lula. Ele procurou o presidente Lula nos últimos dias do seu mandato e levou um pacote de propina para o presidente Lula, que envolvia esse terreno do instituto que já estava comprado, e o senhor Emilio apresentou ao presidente Lula; o sítio para uso da família do presidente Lula que ele já estava fazendo a reforma em fase final e ele disse ao presidente Lula que o sítio já estava pronto; e também disse ao presidente Lula que ele tinha, à disposição dele, para o próximo período, para ele fazer as atividades políticas dele, R$ 300 milhões. Eu fiquei bastante chocado com esse momento porque achei que não era assim que era o relacionamento da empresa.

Moro: Mas o senhor estava presente?

Palocci: Não, não estava presente. Porque eu sei disso? Porque, no dia seguinte, de manhã, o presidente Lula me chama no Palácio da Alvorada e me conta a reunião.

R$ 300 milhões

O ex-ministro disse que Lula contou a ele que havia combinado com Emíilio Odebrecht repasses de dinheiro - lícito e ilícito - da Odebrecht. Palocci: Eu falei: “Marcelo, eu não gosto dessa ideia de contracorrente, eu acho que nunca foi assim, não sei por que vocês reservaram R$ 300 milhões”. E o que que acontece, eu volto ao presidente Lula e falei: “Presidente Lula, acho melhor esquecer essa ideia de conta corrente, a empresa sempre contribuiu conosco, nunca houve dificuldade em relação a essa contribuição. Eu acho que estabelecer esse tipo de relação não é adequado”. Ele falou: “Vamos ver, tal”. Dias depois, o doutor Emilio volta ao presidente Lula, aí numa reunião no dia 30 de dezembro de 2010. Nessa reunião, o presidente Lula leva a presidente Dilma, presidente eleita, para que ele diga a ela das relações que ele tinha com a Odebrecht e que ele queria que ela preservasse o conjunto daquelas relações em todos os seus aspectos, lícitos e ilícitos. Moro: O senhor estava nessa reunião?

Palocci: Não estava, o presidente Lula no dia seguinte me chama de novo - eu não era do governo nessa época, eu era deputado, mas estava muito integrado na campanha da presidente Dilma que acabava de ter sido eleita - então o presidente Lula me chama de novo e fala: “Olha, o Emilio veio, tivemos uma ótima reunião e ele confirmou os R$ 300 milhões e falou que pode ser mais se for necessário”.

Concessão do Galeão

Palocci descreveu a atuação da ex-presidente Dilma Rousseff para compensar a Odebrecht pela perda da licitação de aeroportos.

Palocci: Na primeira leva de privatizações, onde foi privatizado o aeroporto de Guarulhos, de Campinas, Viracopos, e de Brasília, a Odebrecht foi perdedora no processo. Eu fui à presidente Dilma e ela disse que eles deveriam ficar calmos que numa próxima licitação ela cuidaria desse assunto. Aí, eles retiraram o recurso que eles tinham na Anac e foram beneficiados na licitação do aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro. Como foram beneficiados? Houve uma cláusula nessa licitação que impedia o vencedor da licitação de Cumbica de participar do aeroporto do Galeão, em condições livres.

Moro: Isso foi colocado por solicitação da Odebrecht, então?

Palocci: Foi colocado por solicitação da Odebrecht.

Fratura exposta

Palocci disse que o negócio com o terreno para o Instituto Lula seria uma fratura exposta e que Lula pediu que ele conversasse com dona Marisa para convencê-la a desistir do negócio. Palocci: Vá lá e me ajude a convencer a dona Marisa que a compra desse prédio foi inadequada. Se eu fizer isso, ela vai ficar brava comigo, porque ela fala que eu não cuido disso. Se você fizer ela vai entender melhor porque ela gosta de você, ela te entende. Eu fui lá achando que ia ter uma briga com a dona Marisa, mas na verdade tive uma briga com o doutor Bumlai e o doutor Roberto Teixeira, que achavam que a compra tinha sido completamente normal. E acho que, do ponto de vista deles, que são homens de negócio, era normal. Não estou aqui criticando as pessoas. No conjunto, considerando a pessoa do presidente Lula, o governo, a Odebrecht, o Instituto Lula, aquilo era uma fratura exposta, era um convite à investigação. A reunião andou mal, foi muito ruim, mas a dona Marisa não fez nenhuma exigência, concordou na hora e achou que deveria dispensar esse prédio. Por isso foi dispensado.

Italiano

O ex-ministro reconheceu que ele era o Italiano na planilha de propina da Odebrecht.

Palocci: O Marcelo nunca me chamou de Italiano, mas eu acho que essa planilha, quando ele coloca Italiano diz respeito a mim sim. E ele nunca me chamou por esse nome, nem ele nem o doutor Emilio. Eu não sei porque ele escolheu essa alcunha. Mas tem vários e-mails que ele fala de Italiano e Itália que eu sei que não dizem respeito a mim, podem dizer respeito a outras pessoas. Mas a planilha, eu acredito que sim, porque boa parte do que é tratado nessa planilha são assuntos que eu tratei com ele.

Palestras e presentes

Mais adiante no depoimento, Antonio Palocci fez questão de repetir o que tinha falado sobre presentes e pagamentos que Lula recebia da Odebrecht. Ele admitiu que palestras do ex-presidente Lula eram usadas como forma para receber os agrados. Palocci: Olha, eu já expliquei ao doutor Sérgio Moro agora há poucos minutos. O Emilio abordou no final de 2010, não foi para fazer, para oferecer alguma coisa, foi para fazer um pacto, que eu chamei de pacto de sangue, porque envolvia um presente pessoal que era o sitio; envolvia o prédio de um museu pago pela empresa; envolvia palestras pagas a R$ 200 mil, fora imposto, combinadas com a Odebrecht para o próximo ano, várias palestras; e envolvia uma reserva de R$ 300 milhões. O presidente Lula me procurou. Eu ficaria surpreso também. Eu não estranhei a surpresa do presidente, mas ele não mandou eu brigar com o Odebrecht, ele mandou eu recolher os valores. Pergunta: Correto. Só para lembrar, essa conversa que o senhor afirma ter ocorrido entre o ex-presidente Lula e o senhor Emilio Odebrecht, o senhor não estava presente?

Palocci: Não, não. Esclareci que quem me contou essa conversa foi o presidente Lula na manhã seguinte.

Lava Jato e obstáculos

Palocci disse que ele e Lula discutiram maneiras de criar obstáculos para a Lava Jato.

Moro: O senhor mencionou que tentou ajudar para que não andassem as investigações da Operação Lava Jato. Juntamente com o ex-presidente? Palocci: Sim. Em algumas oportunidades eu me reuni com o ex-presidente Lula e com outras pessoas no sentido de buscar criar obstáculos à evolução.

O que dizem os citados

O advogado de Lula, Cristiano Zanin, negou todas as declarações do ex-ministro Antonio Palocci.

“Não há vantagem indevida. Não há qualquer relação com contratos firmados com a Petrobras. A denúncia é uma pura ficção e os depoimentos prestados hoje não contribuem para nada. O doutor Emilio Odebrecht prestou depoimento aqui há poucos dias e disse que jamais tratou com o presidente Lula de qualquer valor, de qualquer vantagem indevida. O depoimento de Emilio foi prestado com o compromisso da verdade e colide frontalmente com o depoimento prestado pelo ex-ministro Palocci na condição de corréu. O ex-presidente Lula virá aqui no dia 13, vai demonstrar mais uma vez a improcedência da acusam que foi feita. Como já foi esclarecido, esteve uma única vez no imóvel e descartou de pronto qualquer interesse. Na verdade, a diretoria do Instituo Lula verificou que ele não era apropriado para a destinação que se buscava”.

A defesa de Lula afirmou ainda que Palocci está preso e sob pressão e negocia com o Ministério Público um acordo de delação que exige que se justifiquem acusações falsas e sem provas contra Lula. Segundo a defesa do ex-presidente, Palocci compareceu pronto para emitir frases e expressões de efeito, como “pacto de sangue”. Todos os demais citados sempre negaram envolvimento nas irregularidades.

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