domingo, 17 de abril de 2016

O fiasco da esquerda

Por Ruy Fabiano - 16/04/2016
Nada, ninguém – direita, militares, burguesia, banqueiros, religiosos -, infundiu tanto dano à causa esquerdista, inaugurada no Brasil em 1922, com a fundação do Partido Comunista, como a Era PT, a cujo declínio melancólico agora se assiste.

Não se sabe como será, daqui para a frente, a reconstrução de um discurso que a prática desmoralizou. Há planos B – como a Rede de Sustentabilidade, de Marina Silva, e o Psol -, mas terão que arcar com a herança maldita do partido-mãe que os gerou, sustentou e abrigou. Não será fácil.

Tudo o que o PT pregou, ao longo dos 22 anos em que foi oposição, negou nos mais de 13 anos em que governa - do combate à corrupção à transparência e eficácia gerencial. Não bastasse, além de quebrar a economia, desmoralizou a própria atividade política, que hoje padece de sua maior crise de credibilidade.

Os argumentos que agora evoca em defesa do mandato de Dilma contrariam os que sustentou quando pediu o impeachment de todos os presidentes da República desde o fim do regime militar. Todos. O único momento em que seu pedido teve o endosso da sociedade foi no governo Collor. Nos demais, falou sozinho.

É interessante e pedagógico conferir na internet – graças à qual a amnésia nacional está sendo curada – o que diziam os líderes do PT ao tempo em que intentaram derrubar outros presidentes da República. Há vídeos para todo gosto, com falas de Lula, José Dirceu, José Genoíno, Jandira Feghali (hoje, no PCdoB), entre outros. Impeachment, que ontem, nas palavras de Lula, era um gesto popular de libertação, virou golpe.

Há um vídeo em que Lula diz que pede a Deus “que o povo brasileiro nunca mais esqueça” que, assim como elegeu, pode depor seus governantes. Deus, ao que parece, o está atendendo.

A esquerda, em 1964, saiu como vítima de um golpe; hoje, graças ao PT, sai por tentá-lo, sem êxito. A frase do falecido Joelmir Beting, de que o PT começou como um partido de presos políticos e acaba como um partido de políticos presos, resume a ópera.

Ser apeada do governo por pedaladas fiscais – crime de responsabilidade, de natureza administrativa – está saindo barato para Dilma, cujo governo e ela própria possuem prontuário bem mais denso e abjeto. Basta conferir o que já expôs a Lava Jato.

Lá, está claramente relatada parte do que se passou (os investigadores dizem que o que se divulgou é apenas um terço do que já têm): o perfil de uma organização criminosa, que se apossou do Estado, para não mais largá-lo.

Onde havia um cofre, houve rapina, com cadáveres pelo caminho, como o demonstram as investigações em torno do assassinato do ex-prefeito de Santo André, Celso Daniel.

Além dele próprio, nada menos que sete testemunhas foram silenciadas pela quadrilha, na véspera da chegada ao Palácio do Planalto, em 2002. Lula, diz a Lava Jato, pagou R$ 6 milhões pelo silêncio de um chantagista, Ronan Maria Pinto, hoje preso. Por quê?

Não há, pois, como dissociar, por mais que o tenha tentado o advogado-geral da União, José Eduardo Cardoso, as pedaladas do conjunto da obra. São os mesmos personagens.

Pouco importa que o pedido de impeachment em exame trate “apenas” das pedaladas – e ainda que o STF, cada vez mais envolvido na política partidária, queira impor tal limite -, a população, responsável por levar o governo ao cadafalso, sabe com quem está falando. Sabe que fala com a turma de Santo André – a turma do Mensalão, do Petrolão, do Eletrolão, do BNDESão, dos fundos de pensão. Tudo muito “ão”.

Daí o insucesso de tentar focar apenas no que está no pedido em exame. Há mais 36 pedidos na Câmara, que, em seu conjunto, contam a história completa. Um deles, da OAB, dá a roupagem jurídica e empresta ao processo sua grife histórica.

Dá o conteúdo penal ao processo. Estão na cadeia ex-dirigentes do PT, junto com empresários que pontificaram nos seus governos. As delações recentes evidenciam que as campanhas de 2006, 2010 e 2014 foram financiadas com dinheiro roubado da Petrobras, que serviu até para financiar pesquisas falsas de opinião.

A presidente Dilma, beneficiária de duas dessas campanhas, não pode alegar que não sabia. Ainda que isso fosse verdade, não reduziria, nos termos da lei, a responsabilidade que lhe cabe – e que já provocou a responsabilização penal de outros candidatos, o mais recente deles o ex-senador tucano Eduardo Azeredo, de Minas Gerais, condenado a 20 anos de prisão.

Os parlamentares que votam amanhã sabem disso; sabem que é o todo – não apenas a parte em exame - que move a população, aos milhões, Brasil afora. Sabem o custo de decepcioná-la. A esquerda é herdeira desse legado. Teve sua oportunidade no poder e mostrou que seu projeto de um Brasil melhor esgotou-se no discurso, movido não a compromissos, mas a propaganda.

Estima-se que o impeachment será aprovado, o que abre perspectiva a um novo ciclo para o país, com muitas dificuldades e desafios. Se não for, as dificuldades e os desafios serão ainda maiores, já que privados do ingrediente mais importante em ocasiões como esta: a esperança.

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